Visão infantil em: O Labirinto do Fauno

A visão infantil sobre o mau em: o Labirinto do Fauno.

A obra O Labirinto do Fauno é, há muitos anos, uma das minhas fantasias favoritas. Conheci o primeiro filme e, anos depois, quando soube que o autor escreveu um livro que não apenas contava a mesma história, mas que expandia esse universo, comprei e li assim que pude. E UAU! tem muito a ser explorado sobre essa história… Mas, hoje, vamos analisar como uma criança enxerga e lida com o pior que a humanidade tem a oferecer.

Antes de tudo, é preciso falar sobre o contexto histórico em que a obra se passa: o final da Guerra Civil Espanhola e o início do governo de Franco. Consequentemente, é um momento de crueldade e sofrimento. Ofélia perdeu o pai e teve que viver com um padrasto que a desprezava, além de uma mãe doente e cega pela necessidade de um homem que a “salvasse”. Assim, a garota encontra na fantasia e nas palavras do Fauno uma forma de escapar dessa sombria realidade.

Já podemos perceber que todo o cenário é muito adulto para uma criança – morte, doença, crueldade, abandono. Como ela lidaria com tudo isso?

Sabemos que elas exploram o mundo com uma curiosidade peculiar, e isso é bem representado por Ofélia, cuja curiosidade é sua bússola, guiando seus passos. A garota pede para que uma “fada” a leve até o labirinto, mesmo sem nunca tê-la visto, além de ouvir conversas dos adultos às escondidas. Para ela, “descobrir seus segredos era entender e sobreviver no mundo deles” (DEL TORO, 2016), sem ter noção das consequências de suas ações.

Esse ponto é crucial para as interpretações. Guillermo del Toro apresenta em sua obra a visão da criança na guerra: “ela não compreende exatamente como o mundo funciona ou o que está acontecendo, mas sofre as consequências desse conflito.” (GOIG, 2022).

As relações entre a fantasia e a realidade estão presentes principalmente para explicar algo que Ofélia não entende ou ainda não assimila por completo. Um exemplo disso é a figura de Vidal, sempre chamado de “Lobo”. Podemos perceber uma referência clara ao Lobo Mau dos contos de fada, além de comparações com outras figuras como Ojáncanu, Cuegle e Nuberu – três personagens mitológicos da Cantábria e de outras regiões espanholas, descritos como maus e cruéis

Ojáncanu
Cuegle
Nuberu

            Com esse comentário, já percebemos que a personagem usa a fantasia como uma forma de escape. Curiosamente, para alguns leitores, nada do que acontece no livro seria real, sendo apenas uma construção da mente de Ofélia para suportar a perda do pai, a doença da mãe e, posteriormente, a morte dela, o cruel padrasto e, principalmente, a solidão. A fantasia seria, então, uma maneira de conjecturar suas opiniões e uma forma de sobreviver em um ambiente hostil. (Existe apenas uma interpretação? Isso é um outro assunto…)

Ofélia não entende o real motivo do casamento de sua mãe na situação em que estavam, e nem como eram “sortudas” em comparação a várias famílias da época. Ela se vê em uma situação onde seu padrasto a despreza e a trata como se não existisse. Sua mãe pensava que para sobreviver seria necessário um homem, porém, este só se importava com o bebê prestes a nascer:

“— Escute, Ferreiro — a voz do Lobo era muito fria —, se tiver que escolher, salve o bebê. Entendido?” (DEL TORO, 2016, p. 178). 

Além de todo desse descaso pelo lado de Vidal, o mesmo constantemente insulta sua afilhada por carregar sempre consigo seus livros. Esse detalhe é interessante, pois, podemos recordar que em regimes totalitários, os livros sempre foram vistos como perigosos, sendo queimados e proibidos, forçando a comunidade a crescer com uma mente fechada. (Tudo o que uma criança rejeita).

 

Del Toro gosta de representar a humanidade por meio de figuras, uma das mais marcantes é o Homem Pálido. A história dessa criatura é a de um homem que, consumido por uma imensa crueldade, se transformou em um ser maligno, uma “representação do inconsciente do poder opressivo do fascismo introduzido brutalmente no mundo de Ofélia” (CIRINO VIEIRA, 2021, p. 8). (Posso trazer de forma mais detalhada posteriormente!!)

É interessante perceber que Vidal e a criatura do Homem Pálido possuem semelhanças. Ambos se colocam como opressores perante os mais fracos, sejam as crianças ou a população espanhola. Eles são vistos em uma mesa farta, sentados na ponta, simbolizando o poder sobre seus convidados, atraindo pessoas necessitadas. Assim como Vidal atraiu Carmen, a mãe de Ofélia, a criatura atraía, durante séculos, crianças de vilas que passavam por períodos de fome. Ambos aguardam o menor erro de suas vítimas para devorá-las ou retirar algo delas, descartando-as logo depois.

Para muitos, Ofélia enfrenta sua realidade mesclando-a com o fantástico. Tudo o que foi apresentado pode ser visto como a mente da personagem tentando racionalizar sua vida, de acordo com as regras do mundo que ela conhece: um universo fantástico, com lobos maus, monstros feios e aventuras que prometem um final feliz.

O autor consegue abordar, nesta obra, temas políticos e sociais por meio da fantasia, usando principalmente metáforas que giram em torno do medo e do ódio. A obra mescla o real com o fantástico, e Ofélia transita entre essas duas realidades, absorvendo os ensinamentos e as dores de ambas. Sob a ótica da protagonista, os leitores podem enxergar além do óbvio, já que a mente da criança está muito mais propensa a aceitar a fantasia. Basta que os espectadores também estejam com a mente aberta para receber esse universo, junto com suas críticas e ensinamentos.

Esse universo possui diversos simbolismos e características diferentes para se explorar, quem sabe futuramente trago mais análises sobre se quiserem. 

Por hoje é isso! Forte abraço.

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Isa e Mari

Estudantes de Letras

Somos duas amigas que compartilham de uma paixão pelas áreas da linguística e literatura, com isso, decidimos compartilhar nossos aprendizados, ideias, resenhas e outras coisas a mais…

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