A Bola de Natal

Autor: Paulo Lütkenhaus.

— Paulinho, acorde, filho, você tem de se arrumar para ir à escola — disse baixinho e com ternura Maria, sua mãe.

— Uaaaah… — bocejou o garoto, enquanto se espreguiçava na cama, esticando os braços e as pernas. — Que sono, mamãe!

— Eu sei que estudar cedo não é fácil, meu amor, mas isso faz parte da vida. Além disso, a escola abrirá as portas para um futuro brilhante, você verá — a genitora tentou incentivar o primogênito.

— Eu entendo, mamãe, mas a cama está tão quentinha… — barganhou o menino.

— Mas já separei seu agasalho de náilon preferido, aquele azul escuro, com capuz, para você ir bem quentinho. Seu uniforme já está em cima de sua escrivaninha, sua mochila está organizada e já separei a sombrinha, pois o tempo está com uma cara…

— Tudo bem — concordou a criança.

Tão logo se trocou, Paulinho foi até a cozinha, onde sua mãe já o esperava. Puxou a cadeira e se assentou. Sobre a mesa havia um pacote de pães, o pote de margarina, sua caneca, uma garrafa térmica com café e uma vasilha com bolo de cenoura caseiro.

Enquanto comia sua refeição matinal, indagou:

— Mãe, que dia é hoje?

— Hoje é terça-feira.

— Não, mãe, que dia do mês?

— Ah, sim! É o primeiro dia de dezembro do ano de 1987. Em breve, será o Natal. Você já pensou o que gostaria de ganhar?

— Ainda não, mãe, eu nem estava lembrando disso, mas vou imaginar.

— Combinado.

O garoto se pôs a refletir sobre as possibilidades de presentes para aquele Natal. Um dos brinquedos que ele mais gostaria de poder ganhar, que seus primos que tinham situação financeira melhor possuíam e nunca o deixavam brincar quando lhes visitava, era o Ferrorama. Mas seus pais sempre tiveram uma situação mais apertada, sendo o pai motorista e a mãe cantineira, provavelmente não iria ganhar o que queria.

De repente, sua mãe o interrompeu:

— Precisamos partir, Paulinho, antes que a chuva que está ameaçando cair nos molhe completamente.

— Vamos, mamãe.

Os dois seguiram pela Rua Lorena até chegarem à Avenida Dom Pedro II, passando perto do caldo de cana do bahiano. Então fizeram a travessia e seguiram pelo caminhozinho de terra, próximo a ferros-velhos que mais pareciam abandonados. Não tardou muito até alcançarem a Rua Pandiá Calógeras, local da Escola Estadual Eliseu Laborne e Vale, onde o menino cursava a 3ª Série do Ensino Fundamental.

A aula iria se iniciar às 7 em ponto, mas o relógio ainda marcava 6h30. Todos os dias ele era o primeiro estudante a alcançar os portões da escola e adentrar o recinto. Sua mãe lhe deu um beijo, então, e se despediu, enquanto ele desceu as escadas e se assentou no longo banco de madeira do pátio.

Apesar do horário, o dia ainda estava escuro, devido a um grande conjunto de nuvens carregadas que anunciavam que, muito provavelmente, em breve um temporal viria. Confirmando ainda mais essa previsão, o vento soprava forte, balançando os cabelos da criança.

Enquanto observava o capim alto, do lado de fora do muro, sacudindo violentamente, seus pensamentos se perdiam na conversa que havia tido em casa com Maria, a respeito do período natalino.

— Um Ferrorama, impossível… Uma bola? Ah, mas eu nem gosto de futebol! Será que um carrinho de controle remoto seria muito caro? — falava em voz baixa para si mesmo.

Tão distraído estava que quase levou um susto quando seu amigo o surpreendeu, cumprimentando-o:

— Bom dia, Paulinho! Tudo bem?

— Nossa, Danilo, você já estava aqui perto? Nem te vi!

— Eu entrei na escola agora, aí vi você olhando o mato e parecendo que estava falando sozinho…

— Eu estava — disse, sorrindo, Paulinho.

— E o que você dizia?

— Eu estava pensando sobre o Natal, Danilo.

— Ah, sim, o Natal está chegando.

— Sim, hoje de manhã, quando eu estava tomando café com minha mãe, ela me perguntou se eu já sabia o que eu queria ganhar.

— E você sabe? — indagou Danilo.

— Ah, ainda não. É que meus pais não têm muito dinheiro…

Paulinho, então, explicou ao amigo que, em sua casa, a família não passava aperto, mas nunca sobrava algum dinheiro para comprar algo mais gostoso ou um brinquedo que fosse um pouquinho mais caro.

— Sim, Paulinho, eu te entendo. Na minha casa também não é muito diferente, não.

— Sério?

— É verdade. Meus pais também não são ricos — explicou Danilo.

— E o que você costuma ganhar de Natal, Danilo?

— Meus pais me dão bonecos, bola, jogo de damas, carrinhos de plástico… Bem, já teve vez em que eu ganhei bonecos do Comandos em Ação.

— Nossa, que legal! — exclamou, entusiasmado, Paulinho.

— Sim, eu gosto muito de Comandos em Ação — concordou Danilo.

— E o que você irá ganhar esse ano? — quis saber Paulinho.

— Hum… esse ano acho que meus pais vão comprar para mim um Bingo. Eu queria muito algum jogo da Estrela, mas eles também são mais caros.

— Também queria muito um da Estrela — concordou Paulinho.

— Pois é.

Após uma breve pausa, com a imaginação pulsante e suas angústias compartilhadas, Danilo perguntou ao amigo:

— Paulinho, vocês montaram a árvore?

— Ainda não, geralmente minha mãe deixa para fazer isso lá pelo meio do mês. Mas é uma árvore bem improvisada…

— Como assim? — quis saber Danilo.

— Bem, lá em casa tem uma planta grande, que fica na copa, em um vaso enorme, sabe?

— Sua mãe monta a árvore de Natal nessa planta, Paulinho?

— Sim, ela enrola aquelas coisas brilhantes e esfiapadas ao longo dos galhos, sabe?

— Que coisa? — não entendeu Danilo.

Paulinho, então, disse que eram aqueles negócios espetados, parecidos com vassourinhas de banheiro, mas cujo material era brilhante, dourado, comprido. Danilo então respondeu:

— Entendi, agora. Mas é só isso?

— Não. Acredita que também é enrolado algodão nos galhos?

— Algodão? — surpreendeu-se Danilo.

— Sim — disse, sorrindo, Paulinho — mas minha mãe também coloca as bolas de Natal.

Tão logo mencionou os artefatos decorativos, seu amigo ficou pensativo, cabisbaixo, com semblante tristonho.

— O que foi, Danilo? Por que você está assim? Eu não falei nada demais, falei? — preocupou-se Paulinho.

— Não, meu amigo, não foi você, é que me lembrei de algo.

— Conte para mim, posso te ajudar? — perguntou, solícito, Paulinho.

Danilo começou a explicar:

— Sabe o que é? Neste Natal minha mãe decidiu não colocar as bolas de decoração na árvore da nossa casa.

— Mas por quê, meu amigo? Por que ela fez isso?

— Bem, Paulinho, no ano passado foi meu avô que montou, praticamente sozinho, nossa árvore de Natal, sabe?

— Ah, que legal! — disse Paulinho, empolgado.

— Sim. Mas no início desse ano, meu avô faleceu de infarto.

— Puxa, meu amigo, meus sentimentos — tentou consolar Paulinho.

— Obrigado. Mas não é só isso.

— Continue, então, Danilo.

— Ontem à noite, quando minha mãe foi abrir a caixa de bolas de Natal, você nem imagina o que ela viu…

— O que foi que ela viu? — quis saber Paulinho.

— Umas marcas nas bolas de Natal e, quando olhou de perto, percebeu que eram as digitais do pai dela, o meu avô — disse, com tristeza, Danilo.

— Nossa… — disse Paulinho, impressionado.

— Minha mãe chorou bastante, Paulinho.

— Puxa, Danilo, que triste — comentou Paulinho, tentando consolar o amigo.

— É, Paulinho, acho que, se eu pudesse escolher, queria meu avô de volta nesse Natal — respondeu Danilo com os olhos em lágrimas.

Paulinho, então, abraçou seu amigo por alguns instantes. Danilo lhe agradeceu e, após enxugar o rosto, completou:

— Minha mãe disse que irá guardar as bolas de Natal em uma caixa para sempre.

Os amigos iriam continuar sua conversa, mas a sirene do sinal da escola tocou, anunciando que as aulas começariam. Os professores formaram as filas, para que, em seguida, subissem até as salas de aula, no primeiro andar da escola. Os trovões começaram a roncar alto no céu e uma pesada chuva começou a descer com intensidade.

Aquela manhã transcorreu de modo tranquilo. Era a época em que os estudantes começavam as revisões das matérias das provas do quarto bimestre, que aconteceriam já na semana seguinte. Veio o intervalo do recreio e os dois últimos horários. A sirene tocou para anunciar o fim das atividades estudantis.

No portão da escola, Maria já aguardava pelo seu filho. Apesar daquela terça-feira permanecer cinzenta, estava seca, àquele momento.

O garoto chegou em casa, tirou sua mochila e a guardou no quarto, trocou de roupa e colocou seu chinelo de dedos Havaianas. O almoço estava pronto: tinha arroz, feijão, salada de alface e tomate, bife de carne de boi e banana.

Paulinho serviu a comida, enquanto a degustava lentamente. Intrigada com a quietude do menino, bem como seu olhar pensativo e longínquo, sua mãe, então, perguntou-lhe:

— O que foi, Paulinho? Você está tão pensativo.

— Nada não, mãe.

— Ah, tem alguma coisa sim, eu te conheço. Vamos, conte-me, você pode confiar na sua mãe.

— Sabe o que é? — perguntou Paulinho.

— Não faço nem ideia — disse a mãe, franzindo a testa.

— Eu já sei o que eu quero de Natal.

— Hum, que bom! Agora eu estou curiosa. O que você vai querer? Tem que ver se seu pai tem condições de comprar.

— Mãe, eu quero ir visitar meus avôs em Bonfim, nós podemos?

Surpresa com o pedido do filho e sem entender nada, Maria respondeu:

— Uai, claro! Que presente, hein?

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Isa e Mari

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Somos duas amigas que compartilham de uma paixão pelas áreas da linguística e literatura, com isso, decidimos compartilhar nossos aprendizados, ideias, resenhas e outras coisas a mais…

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