Autora: Vera Lúcia.
Todos os anos é a mesma coisa: desde meados de novembro começo a preparar minha casa para o Natal — e, junto com ela, vou me preparando por dentro.
Abro armários e gavetas à procura de roupas, calçados e cobertas que já não me servem e que possam aquecer outros corpos e outras vidas. Também procuro “adotar” cartinhas dos Correios e de um lar de idosos. É meu jeito de dizer ao mundo — e a mim mesma — que o Natal começa antes das luzes acesas.
Houve um tempo em que eu e meu marido fomos líderes de um grupo de jovens da nossa igreja. Além das atividades religiosas, dos bailinhos e passeios de fim de semana, no final do ano levávamos os jovens para visitar idosos em casas de repouso. Eles preparavam um lanche para compartilhar, levavam presentes para sortear e seus instrumentos musicais para as serenatas. Caprichavam nas canções antigas — muitas vezes os idosos faziam coro com os jovens. Era lindo de viver. Por algumas horas, os anos pareciam se dissolver, e os sorrisos voltavam a ter brilho de juventude. Saíamos de lá com a certeza de termos levado um pouco de alegria e leveza àquelas pessoas tão solitárias.
Minhas redes sociais também se enchem dessa atmosfera: renas, papais-noéis, árvores luminosas, bonecos coloridos. Não é enfeite vazio. É tentativa sincera de despertar em meus amigos virtuais — e em quem mais alcance — sentimentos de alegria, união, paz, amor, esperança e prosperidade, tanto para o Natal quanto para o Ano Novo que se aproxima. Celebro ali a renovação dos laços familiares, a partilha de bons momentos e a crença em um futuro melhor, com luz e bênçãos.
Antigamente, a árvore era tradicional: bolas coloridas, anjos, velas, papais-noéis, laços e muito pisca-pisca. A porta ganhava uma guirlanda caprichada, com ursinhos, fitas e a mensagem simples e direta: “Feliz Natal”.
Atualmente, os enfeites natalinos visam alegrar e encantar meus netos!
Lembrar o verdadeiro significado do Natal — o nascimento de Jesus, a fé e a harmonia — é minha forma de desejar bem-estar a todos. E, aproveitando as modernidades dos aplicativos de inteligência artificial, brinco de me travestir de “Mamãe-Noela”, mudando roupas, idade e cenário. Levo isso como brincadeira e afeto.
— Como assim? Com tanta coisa ruim acontecendo no mundo, e você incentivando ternura, amor ao próximo e fantasia? — perguntam alguns, desconfiados.
— Pois é — respondo. — Amo essa época do ano desde que me entendo por gente.
Quando pequena — até uns dez anos — acreditava piamente em Papai Noel. Minha mãe e minhas madrinhas, Anete e Nanci, alimentavam essa fé com convicção. Diziam que Papai Noel era o ajudante de Deus, encarregado de levar alegria às casas enquanto preparava os corações para a chegada de Jesus.
Só lamento que, naquele tempo, as fotografias fossem raras — custavam caro. Ainda assim, minha memória guardou tudo com nitidez.
Havia rituais sagrados.
Eu escrevia minha própria cartinha ao Papai Noel, mesmo aos cinco anos, cuidadosamente monitorada por minhas madrinhas. Pedia meu presente e fazia questão de lembrá-lo de não esquecer das outras crianças, especialmente as doentes ou as que não sabiam escrever. Depois, levava a carta aos Correios com a solenidade de quem entrega um segredo precioso.
Mamãe e eu montávamos a árvore. Eram tempos difíceis, de dinheiro curto, e os enfeites eram simples. Ainda assim, eu sempre a achava linda quando ficava pronta. Depois, colocava um sapatinho na janela.
Mamãe separava roupas, calçados e brinquedos que eu já não usava — afinal, tinha crescido. Fazia questão de me ensinar que nada deveria ser desperdiçado: o que não servia mais para mim poderia servir muito bem para alguém que estivesse precisando.
Íamos às lojas para que Papai Noel “visse” exatamente qual brinquedo eu queria. Eu acreditava que, depois de ler as cartas, ele enviava duendes invisíveis para observar tudo de perto.
E havia o grande dia da chegada do Papai Noel à cidade. Geralmente vinha de trem, como ainda acontece hoje. Acompanhado de dezenas de crianças, seguia até o centro, quando as lojas passavam a funcionar até a noite. Era imperdível. Em dezembro de 1963, fui vê-lo pela última vez na estação férrea. Tinha tanta gente que perdi um pé do sapato novo — lembro disso rindo até hoje.
Participava da novena de Natal com minhas madrinhas, mulheres profundamente católicas, que se preocupavam em despertar minha fé e ensinar o verdadeiro sentido do Natal — para além do consumismo — fortalecendo laços familiares e comunitários, e cultivando valores como amor, esperança e solidariedade, de forma lúdica e espiritual.
Chegava, então, a noite mais esperada: a véspera de Natal. Criança não participava da ceia, que acontecia perto da meia-noite. Eu jantava cedo e, depois do banho, vestida com minha camisolinha, rezava para o anjo da guarda. Fazia um rápido balanço do meu comportamento: elogiava meus acertos, pedia desculpas pelos escorregões e prometia melhorar. Recebia um beijo da minha mãe e dormia depressa, ansiosa pelo amanhecer.
Mal acordava e corria até a árvore. O presente estava lá, exatamente como eu havia pedido. Prova irrefutável de que o duende invisível realmente tinha ido à loja.
Ah, que delícia desembrulhar aquele presente tão esperado! Depois de brincar sozinha por um tempo, saía em frente de casa para encontrar os coleguinhas, todos curiosos para mostrar o que haviam ganhado e descobrir os presentes uns dos outros.
Com o tempo, fui descobrindo que Papai Noel era um sonho. E, por muitos anos — e acontecimentos que não valem a pena revisitar — os natais ficaram um pouco amargos, tristes, solitários. Ainda assim, a semente do espírito natalino não morreu.
O tempo foi trazendo novos afetos: a família do meu marido, o nascimento da minha sobrinha e afilhada Patrícia, meus alunos da Educação Infantil, o nascimento do meu primeiro filho, depois da minha filha, outros afilhados. E aquele sonho antigo de amor, ternura, perdão, solidariedade e esperança voltou com força — e nunca mais me abandonou.
As lembranças doces da minha infância me motivaram a ensinar aos meus filhos os rituais do Natal, inclusive esperar o Papai Noel na estação ferroviária ou vê-lo chegar de helicóptero. Eles adoravam repetir tudo, especialmente quando eu contava que fazia assim quando era pequena. Já estavam crescidos quando começaram a desconfiar de que os presentes vinham de mim, do pai, dos avós e padrinhos.
Nas escolas onde trabalhei, sempre procurei despertar nas crianças o verdadeiro espírito natalino, longe dos excessos comerciais que a mídia insiste em vender.
E então vieram os netos. A festa ganhou outro brilho.
A chegada deles mudou até a decoração da árvore. Arthur gosta de Pokémon; João Pedro prefere super-heróis. Hoje, nossa árvore é enfeitada com bolas coloridas, muitos pokémons e super-heróis — e continua linda.
A ceia passou a acontecer no horário do jantar, para que os meninos participem. Na sobremesa, um bolo caprichado, e juntos cantamos parabéns para o Menino Jesus, cuja história eles conhecem e compreendem o significado para nós, cristãos.
Agora, o Papai Noel aparece em pessoa: o vovô veste a fantasia e entrega os presentes. As carinhas sérias, quase cerimoniosas, emocionam profundamente — mas duram pouco. Logo rasgam os papéis com alegria contagiante. Hoje, registramos tudo com nossas câmeras, para rever quando a saudade apertar.
Conservo, com carinho e fidelidade, os ensinamentos de minha mãe sobre compartilhar aquilo que já não nos serve com os menos favorecidos. Esse gesto simples atravessou gerações: pratiquei com meus filhos, e eles ensinaram aos meus netos. Assim, o Natal deixou de ser apenas lembrança da infância para se tornar um modo de viver.
Hoje, madura, idosa, sinto necessidade de agradecer a Deus por toda a minha história. E, ao agradecer, compreendo que também tenho muitos presentes a oferecer — presentes que não se embrulham em papel colorido, mas se espalham em forma de paz, perdão, compreensão, empatia, beleza e boas energias. Ainda que alguns chamem isso de bobagem ou coisa de gente velha, não importa. É exatamente por isso que conto minha história com o Natal.
Porque o Natal nunca morre. Ele muda de roupa, atravessa o tempo, adapta-se às idades e reaprende, pacientemente, a morar dentro da gente.
Lamento aqueles que falam em “fingimentos natalinos”. Talvez ainda não tenham permitido que Jesus lhes toque o coração. Por eles, faço uma prece silenciosa. E sigo acreditando que, mesmo em um mundo tantas vezes ferido e descrente, a magia continua possível.
Ela não vive apenas em trenós, cartas ou embrulhos coloridos. Vive nos gestos simples e cotidianos: no amor oferecido sem alarde, na bondade praticada sem plateia, no sorriso partilhado, no perdão concedido quando seria mais fácil endurecer.
É ali que o Natal acontece — discreto, humano e verdadeiro.
No fim das contas, Papai Noel sou eu. É você. Somos todos mensageiros daquilo que há de melhor em nós: a capacidade de ouvir, de ajudar, de amar, de perdoar, de pedir perdão, de sonhar junto e de tentar, todos os dias, ser um pouco melhores. É assim que o Natal renasce a cada ano e se perpetua no coração daqueles que acreditam.
Porque o Natal não é uma data no calendário. É um estado de espírito — uma chama que não se apaga e que se fortalece toda vez que escolhemos amar e acreditar.
